sábado, 31 de dezembro de 2011

CENA 2

Consome-se.
Ao ponto.
Ao entrar no submundo, outra percepção se abre.
Mulheres magras de pé no chão e cabelos ao alto puxam pelo braço crianças com barrigas grandes e membros de fora a chorar.
Meninas de olhar vagante carregam no ventre a proliferação desta cadeia.
No ar, o cheiro fétido do esgoto embaça os sentidos.
A sujeira do lugar lembra um viveiro de ratos, e há muitos deles, ratos e gatos.
Das janelas é possível ver o prato de feijão aguado em cima da mesa quadrada de alumínio com quatro lugares e uma cadeira a menos que serve de apoio em substituição a um móvel ausente. A casa é povoada e a comida falta. No céu não estrelado, poluído, fios da rede elétrica brigam entre si num emaranhado que junta fios, cordões, cadarços e até uma "Adidas aranha" pendurado, possível peripécia de algum resgatador de pipas. A vida segue, não por seguir, mas porque não há outra alternativa. As pessoas caminham nas ruas como que a ir a lugar nenhum. Não há outro lugar pra ir, todos circulam entre si.
Sirene.
As roupas pretas invadem o lugar, o submundo entra em alerta, fervilhantes, as pessoas de olhar vagante escorrem para os cantos, o escuro mundo se movimenta com essa movimentação frenética.
Barulho.
Silêncio.
Escuro.
Vazio.
Consome-se, finda-se. Acaba-se.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

No fio da navalha

Essas palavras cortam como fio de navalha, corta fino e silencioso, mais ou menos macio e desfia tudo o que o inchado coração se encheu...vai pingando, gotinha aqui, gotinha lá, meio que desesperado, meio que se sufocando, meio remendando-se...mas aí tudo parece querer sair de uma vez, sair por todos os lados e desesperadamente se bater até a própria dor o tirar da consciência, num torpor anestésico, dores físicas que matem no corpo o que o tal do coração se debate pra resolver...e luta, e grita, e chora e MORRE. Aqui, ele morre. E resta no chão.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

MULHER

Rasgou-se em mim esse tal estado mulher...e não foi um dado externo...rasgou porque me permiti ser atingida por esse sentimento intenso chamado desejo, porque permiti que o momento fosse mais forte que a minha razão e porque assumi todos os riscos que eu já há muito me privava...coloquei minhas recomendações de lado e me entreguei a simplesmente estar ali, pronta, para o que viesse...
com toda a velocidade me atirei e num instante estava bem ali, com o nariz colado no muro...
Fui o melhor que poderia ter sido, mas não era suficiente, éramos doses demais um para o outro, doses exacerbadas de perguntas e uma dose exacerbada de indecisão, doses cheias e carregadas num desejo que nos engolia em grandes pedaços, nos afogamos um no outro e não conseguimos nos encontrar em plenitude e não por uma incapacidade, mas por nosso desejo, o nosso, nos levou a todo esse mar revolto.
Encontrei estados terríveis por aqui, reacendi dúvidas e dores, descobri outras ainda mais intensas...fui mais uma vez até o limite do suportável e até além dele, descobri o caminho para sufocá-las como se de um momento pra outro tivesse que me atirar das pedras para dar uma chance ao que eu poderia resgatar do que era eu antes dessa avalanche toda começar, mas eu já não era a mesma e não voltaria a ser...uma vez atravessado todo esse caminho, os pés se lançaram nesse espaço (ou nesse vazio) e embora esse amor ou o que se possa chamar esse sentimento queime e provoque borburinhos aqui dentro, o vento dessa queda vai se encarregar de cicatrizá-las e então, sentirei novamente o contato dos meus pés no chão, nessa terra para novas recepções...
o mesmo mar agora cessa e se recompõe, minha pele quente mergulha em sua profundeza gélida não mais para me devorar, mas para me encaminhar a outros caminhos
as coisas precisam seguir e seguem num rumo outro, o tempo de tempestade acabou...

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

CENA

Imprimiu seus pés na areia na praia, quis ter pensamentos poéticos, mas só a concretude exata das coisas lhe rodeava.

Andou vagarosamente e pensou rumos diversos, as ondas os repeliram. Sentiu de novo o amor a invadir-lhe o corpo quente, olhou para o mar e desejou que lhe fosse companheiro. Imaginou-se na mesa de madeira de um ambiente à meia-luz com uma taça de vinho dentro de um teatro, à espera, sempre à espera das sensações. Pôs- se o desejo, quis ser mais bonita do que jamais pudera ser, quis plantar dentro de si os mais belos sentimentos e limpar-se de tudo o que não era bom, tudo para oferecer ao que ali adentrasse a maior alegria, para que pudesse dispor do que há de mais puro entre o simples.

Parou, devaneou e prosseguiu pensante nos faróis da cidade acesa, encoberta pela noite para que sua luz tornasse o ambiente ainda mais propício para suas iluminações.

Caminhou, convidou para si aquele clima que julgava trazer informações para bons pensamentos poéticos úteis para o futuro, úteis para o adubo da terra de buscava fertilizar dentro de si, terra para raros, terra para o afeto, terra para o que vier de bom.

Sua armação metálica e lentes esfumadas cor de terra com mel a protegiam do mundo, do mundo que ela mesma desejava ser invadida, das pessoas que ela gostaria de se aproximar. Temeu a si mesma e suas ervas daninhas ao suprimir suas mudinhas miúdas de terra de amor.

Cansou-se dali, de seus mau pensados e mau elaborados pensamentos poéticos, de sua cafonisse por coisas que só a trancavam para si, além de todo o mundo, não sabia lidar com ser, com ser sensível. Olhou as pessoas e as invejou por apenas vivendo terem mais vida que ela que desejaa a vida entir plenamente.

Um estado de ser que ela não conseguia sentir para si, de ser no mundo. Atrás de si um beijo aconteceu.

O vento lhe envolvia numa atmosfera do sentir e buscar sentir.